terça-feira, 10 de julho de 2012

A águia que queria virar galinha

Era uma vez uma águia que foi criada num galinheiro. Cresceu pensando que era galinha...Que tristeza quando se via, nos espelhos das poças d´água, tão diferente! O bico era grande demais, impróprio para catar milho, como todas as outras faziam. Era muito grande, atlética. com certeza sofria de alguma doença...E ela queria uma coisa só: ser uma galinha comum, como todas as outras. Fazia um esforço enorme para isso. treinava ciscar com o bamboleio próprio. andava meio agachada, para não se destacar pela altura. Tomava lições de cacarejo. E o que mais queria: que seu cocô tivesse o mesmo cheiro familiar e acolhedor do cocõ das outras galinhas. O seu era diferente, inconfundível. Todos sabiam onde ela tinha estado e riam...
Sua luta para ser igual a levava a extremos de dedicação política. Pregava uma necessidade de uma revolução no galinheiro. Acabar com o dono que se apossava do trabalho das galinhas.
Aconteceu que um dia, um alpinista que se dirigia para um cume das montanhas passou por ali. Alpinistas são pessoas que gostariam de ser águias. Não podendo, fazem aquilo que chega mais perto: sobem a pés e mãos até as alturas onde elas vivem e voam. E ficam lá, olhando prá baixo, imaginando que seria bom se fossem águias e pudessem voar. O alpinista viu a águia no galinheiro. E se assustou:
_ Que é que você águia está fazendo no meio das galinhas? Ele perguntou.
Ela pensou que fosse caçoada e ficou brava. não me goza.
Águia é a vovozinha. Sou galinha de corpo e alma, embora não pareça.
_ Galinha coisa nenhuma, replicou o alpinista. Você tem bico de águia, olhar de águia, rabo de águia, cocõ de águia... É águia. deveria estar voando... E apontou para os minúsculos pontos do céu, muito longe, águias que voavam perto dos picos das montanhas.
_ Deus me livre! Tenho vertigem das alturas. Dá-me tonteira. O máximo para mim é o segundo degrau do poleiro, ela respondeu.
o alpinista percebeu. Suspeitou que a águia atá gostava de ser galinha. Agarrou a águia e enfiou dentro de um saco. e continuou sua marcha para o alto das montanhas. chegando lá, escolheu o abismo mais fundo, abriu o saco e sacudiu a águia no vazio. Ela caiu. Aterrorizada, debateu-se furiosamente, procurando algo a que se agarrar. Mas não havia nada. Só lhe sobravam as asas...
E foi então que algo novo aconteceu. do fundo do eu corpo galináceo, uma águia há muito tempo adormecida e esquecida, acordou, se possou das asas e, de repente, ela voou... Lá de cima, olhou o vale onde vivera. Visto das alturas, ele era mais bonito.
O alpinista, assentado, sorria, imaginando-se a voar no corpo da águia.

                                                    Rubem Alves. estórias de bichos. São Paulo, Loyola, 1990, págs 6 à 13.

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