As receitas
Quando eu
era menino, na escola, as professoras nos ensinaram que o Brasil estava
destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de
riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas. Equivale a predizer que um homem
será um grande pintor, por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um
quadro não é a tinta, e sim as idéias que moram na cabeça do pintor. São as
idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançarem sobre a tela...
Minha
filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era a pergunta
que o professor de Filosofia havia proposto à classe. Pelo que lhe dou os
parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial, segundo, por
ter tido sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta, pois se tivesse
dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é
como a águia que só pode alçar vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é
voar sobre o que não se sabe, não existe nada mais fatal para o pensamento do
que o ensino das respostas certas, para isso existem as escolas, não para
ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas.
As
respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas,
permitem viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem
de pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saberem voar, têm que
aprender a caminhar sobre a terra firme. Terá firma: as milhares de perguntas,
para as quais, as gerações passadas já descobriram as respostas.
O primeiro momento da educação
é a transição deste saber, nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em
que se ensina o que se sabe...” E o mais curioso, é que este aprendizado, é
justamente para nos poupar da necessidade de pensar. Aperto a tecla moqueca, a
receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe,
tomate, cebola, coentro, cheiro verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma
série de instruções sobre o que fazer; não é coisa que eu tenha inventado;
foi-me ensinado. Não precisei pensar; gostei; foi para a memória.
Esta é a regra fundamental
desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é
objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que
ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor –
etimologicamente, no coração – à espera de que o teclado desejo de novo, o
charme do seu lugar de esquecimento.
Memória: um saber que o passado
sedimentou, indispensável para se repetir às receitas que os mortos nos
legaram. E elas são boas; tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar,
permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares
desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfose
eram-se de águias em
tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas
universitários. Aqui, se encontra o perigo das escolas, de tanto ensinar o que
o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu
destino, não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como
vazio, um não saber, que somente pode ser explorado com as asas do pensamento.
Compreende-se, então, que Barthes tenha dito que, tempo quando se ensinar o que
não se sabe.
(ALVES,
Rubem. A Alegria de Ensinar)
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