A ANÃ PRÉ-FABRICADA E SEU PAI, O AMBICIOSO MARRETADOR
Ignácio
de Loyola Brandão
Era uma vez uma anã pré-fabricada. Tinha cinqüenta
centímetros de
altura.
Os pais eram pessoas normais. A anã era anã porque desde
pequena
o pai batia com a marreta na cabeça dela. Ele batia e dizia:
“Diminua, filhinha”. O sonho do pai era ter uma filha que
trabalhasse no circo. E se ele conseguisse uma anã, o circo
aceitaria.
Assim,
a menina não cresceu. Tinha as pernas tortas, a cabeça plana
como
mesa, os olhos esbugalhados. Um globo, com as marretadas,
chegara
a sair. E deste modo o olho andava dependurado pelos nervos.
Com o
olho caído, a menina enxergava o chão – e enxergava bem. Por
isso,
nunca deu topadas.
A
menina diminuiu, entrou para a escola, se diplomou. E o pai
esperando que o circo viesse para a cidade. A anã teve poucos
namorados em sua vida. Os moços da cidade não gostavam de sua cabeça
plana
como mesa. Um dos namorados foi um mudo; o outro, um cego.
Com o
passar do tempo, o pai ia ensinando à filha anã os truques do
circo:
andar na corda bamba, atirar facas, equilibrar pratos na
ponta
de varas, equilibrar bolas, andar sobre roletes, fazer
exercícios na barra, pular através de um arco de fogo, cair ao chão
(fazendo graça) sem se machucar,
ficar de pé no dorso de cavalos.
De vez
em quando, o pai emprestava a filha ao padre, por causa da
quermesse. Ela substituía o coelho nos jogos de sorteio. Havia uma
porção de casinhas dispostas em círculo.
Cada casinha tinha um
número.
A um sinal do quermesseiro, a menina corria e entrava na
casinha. Quem tivesse aquele número ganhava a prenda. A anã não
gostava
de quermesse porque se cansava muito e também porque no dia
seguinte ficava triste, com o pessoal que tinha perdido. Eles a
seguiam
pela rua, gritando: “Aí, baixinha..., por que não entrou no
meu
número?”
Um dia, o circo chegou à cidade, com lona
colorida, um elefante
inteirinho rosa, uma onça pintada, palhaços, cartazes e uma
trapezista gorda que vivia caindo na rede. O pai mandou fazer para a
anã um
vestido de cetim vermelho, com cinto verde. Comprou um sapato
preto e
meias três-quartos. Levou a filha ao circo. Ela mostrou tudo
que
sabia, mas o diretor disse que faziam aquilo: andavam no arame,
na
corda bamba, equilibravam coisas, pulavam através de arcos de
fogo,
andavam no dorso de cavalos. Só havia uma vaga, mas esta ele
não
queria dar para a menina, porque estava achando a anã muito
bonitinha. Mas o pai insistiu e a anã também. Ela estava cansada da
vida da
cidadezinha, onde o povo só via televisão o tempo inteiro.
E o
dono do circo disse que o lugar era dela: a anã seria comida
pelo
leão, porque andava uma falta de carne tremenda. E, assim, no
dia
seguinte, às seis horas, a menina tomou banho, passou perfume
Royal
Briar, jantou, colocou seu vestido vermelho, de cinto verde,
uma
rosa na cabeça e partiu contente para o emprego.
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