segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A ANÃ PRÉ-FABRICADA E SEU PAI, O AMBICIOSO MARRETADOR


A ANÃ PRÉ-FABRICADA E SEU PAI, O AMBICIOSO MARRETADOR

                                                                                            Ignácio de Loyola Brandão

                          Era uma vez uma anã pré-fabricada. Tinha cinqüenta centímetros de
            altura. Os pais eram pessoas normais. A anã era anã porque desde
            pequena o pai batia com a marreta na cabeça dela. Ele batia e dizia:
            “Diminua, filhinha”. O sonho do pai era ter uma filha que
            trabalhasse no circo. E se ele conseguisse uma anã, o circo
            aceitaria.

                         Assim, a menina não cresceu. Tinha as pernas tortas, a cabeça plana
            como mesa, os olhos esbugalhados. Um globo, com as marretadas,
            chegara a sair. E deste modo o olho andava dependurado pelos nervos.
            Com o olho caído, a menina enxergava o chão – e enxergava bem. Por
            isso, nunca deu topadas.
            A menina diminuiu, entrou para a escola, se diplomou. E o pai
            esperando que o circo viesse para a cidade. A anã teve poucos
            namorados em sua vida. Os moços da cidade não gostavam de sua cabeça
            plana como mesa. Um dos namorados foi um mudo; o outro, um cego.
            
                         Com o passar do tempo, o pai ia ensinando à filha anã os truques do
            circo: andar na corda bamba, atirar facas, equilibrar pratos na
            ponta de varas, equilibrar bolas, andar sobre roletes, fazer
            exercícios na barra, pular através de um arco de fogo, cair ao chão
            (fazendo graça) sem se machucar, ficar de pé no dorso de cavalos.
            
                          De vez em quando, o pai emprestava a filha ao padre, por causa da
            quermesse. Ela substituía o coelho nos jogos de sorteio. Havia uma
            porção de casinhas dispostas em círculo. Cada casinha tinha um
            número. A um sinal do quermesseiro, a menina corria e entrava na
            casinha. Quem tivesse aquele número ganhava a prenda. A anã não
            gostava de quermesse porque se cansava muito e também porque no dia
            seguinte ficava triste, com o pessoal que tinha perdido. Eles a
            seguiam pela rua, gritando: “Aí, baixinha..., por que não entrou no
            meu número?”
            
                         Um dia, o circo chegou à cidade, com lona colorida, um elefante
            inteirinho rosa, uma onça pintada, palhaços, cartazes e uma
            trapezista gorda que vivia caindo na rede. O pai mandou fazer para a
            anã um vestido de cetim vermelho, com cinto verde. Comprou um sapato
            preto e meias três-quartos. Levou a filha ao circo. Ela mostrou tudo
            que sabia, mas o diretor disse que faziam aquilo: andavam no arame,
            na corda bamba, equilibravam coisas, pulavam através de arcos de
            fogo, andavam no dorso de cavalos. Só havia uma vaga, mas esta ele
            não queria dar para a menina, porque estava achando a anã muito
            bonitinha. Mas o pai insistiu e a anã também. Ela estava cansada da
            vida da cidadezinha, onde o povo só via televisão o tempo inteiro.
            
                        E o dono do circo disse que o lugar era dela: a anã seria comida
            pelo leão, porque andava uma falta de carne tremenda. E, assim, no
            dia seguinte, às seis horas, a menina tomou banho, passou perfume
            Royal Briar, jantou, colocou seu vestido vermelho, de cinto verde,
            uma rosa na cabeça e partiu contente para o emprego.
                        

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